Um dia estava em casa correndo com as tarefas do dia e a minha filha diz nervosa:
“Mãe você não está me ouvindo!”
Parei e o primeiro pensamento foi: “eu?! Eu sempre te ouço!”
Ao mesmo tempo pensei que se ela estava expondo isso, por mais que achasse que a ouvia, ela não tinha a mesma percepção que a minha.
Agachei-me a altura dela e pedi para ela repetir o que eu não havia ouvido. Ela falou sobre uma dança que conseguiu acompanhar os passinhos e saiu feliz. Já eu, fui dormir com a imagem dela nervosa afirmando que não a ouvia. Veio a tristeza, a culpa, mas ao mesmo tempo um sentimento de que eu precisava me permitir a refletir sobre isso, talvez como uma oportunidade de rever a minha caminhada como mãe. Me dei conta que não era a primeira vez que ouvia esta frase dos meus filhos “você não me ouve” e que eu passava o dia brigando com as horas.
Geralmente acordava cheia de expectativas sobre a rotina, como eu me comportaria diante delas e como as crianças deveriam se comportar também. E quando algo saía fora do imaginado, eu me estressava. Enquanto eu brigava com o tempo, eu parava de ouvir e ver o que estava ao meu redor. Ficava tão preocupada em chegar ao final do dia com a rotina executada com sucesso e me esquecia que a vida estava passando nas pequenas e sutis situações que não eram planejadas e nem mesmo poderiam ser imaginadas.
Percebi que a rotina é importante por dar um norte das atividades do dia, mas ela não é fonte de escravidão. Ela ajuda a organizar, mas não pode ser fator de estresse e penalização.
Aprendi que a vida acontece muitas vezes entre os intervalos da rotina, espontaneamente e de forma fluida. Acontece quando o tempo deixa de ser o protagonista e passa a ser o coadjuvante das minhas escolhas.
A vida acontece quando me permito ser surpreendida pela dança acompanhada na tv, pela bola que encontra a cesta depois de inúmeras tentativas, pela cambalhota desengonçada, pelo som extraído de um garfo batucando em um copo de vidro, de uma palavra engraçada, beijo surpresa, uma maçã mordida encontrada na cesta de frutas, em cada vez que me pedem para fechar os olhos e quando abro tem um desenho pintado a 4 mãos.
São nestas surpresas da vida, que estão contidas as porções do que se chama felicidade.
Acordei no dia seguinte convicta de que tinha que planejar atividades e não comportamentos e desejando que a vida me surpreendesse com o que eu não tenho controle: a espontaneidade.
Por Priscilla Almeida
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